Se pisar um peixe-aranha…como tratar a picada?
Aqui no mar!
Ahh, praia por fim! O sol abrasador, a areia escaldante, a luz cegante e a água gelada demais que não dá para aliviar estes sintomas nem prevenir o melanoma. É de adorar esta altura do ano, não é?
E como se tudo isto não chegasse para o nosso martírio de veraneante, nem sequer dá para tentar refrescar os pés porque há sempre o risco de pisar uma rocha mais afiada ou (deus nos livre), um peixe-aranha.
O quê, já aconteceu? Bom, então sente-se para trás, relaxe, e leia com tempo e muita atenção os próximos parágrafos. Já está pronto? Está cheio de dores? Ah, peço desculpa, não sabia. Quer descansar um bocadinho? Não, só quer a informação? Está bem, não precisa de ser mal criado. Já ia dizer de qualquer maneira… E agora nem me apetece continuar. Pronto, está bem, agora é que é, vamos a isso.
Certo? Okay, okay, vamos.
1, 2
1, 2, 3. Isto está a funcionar?
Está?
Boa.
Então vamos rever o que aconteceu: o peixe-aranha estava muito bem, escondido e aconchegado debaixo da areia a ver se arranjava um almoço, e o senhor decidiu pisá-lo e estragar-lhe o descanso. Que simpático da sua parte.
Entre um e quatro dos seus espigões decidiram devolver a simpatia fazendo uma visita ao interior da sua pele. Estes espigões por vezes são tão insistentes na sua simpatia que até chegam a perfurar alguns sapatos, por isso faça favor de lhes agradecer devidamente.
Para além da dor inicial da picada, estes espigões têm ainda uma toxina que apesar de não ser letal, é extremamente dolorosa.
Primeiro passo: saia da água por favor (e já agora, o que é que está a fazer a ler blogues dentro de água? Deixe o telemóvel por 5 minutos e aproveite a vida!) E procure ajuda. A dor vai intensificar durante os próximos 30 minutos, e vai gostar de ter alguém com quem gritar. Se for um nadador salvador, até lhe pagam para o ouvir e tudo.
Segundo passo: Arranje água quente. Quanto mais quente melhor, mas sem queimar. Mergulhe a ferida na água quente. Melhor, não é? Agora aguente aí dentro pelo menos 15 minutos, mas pode ser preciso mais, por isso não tenha pressa. A toxina do peixe-aranha é sensível ao calor, por isso deixe-a degradar-se a seu tempo enquanto imagina na sua cabeça as proteínas a abanarem-se de um lado para o outro e a desfazerem-se em papa disforme, insossa, e motivo de risota para os seus terminais nervosos.
Perante a falta de água quente, as pessoas tornam-se extremamente criativas. O importante é mesmo a temperatura, por isso “o pessoal das praias” (nomeadamente surfistas e pescadores) recorrem a “andar na areia a escaldar”, “a ponta de um cigarro aceso (mas sem tocar!)”, e aquele que era mais conhecido: “urinar para a ferida”. Uma vez que a urina vem a uns simpáticos 37°, supõe-se que esse seja o motivo pelo qual muita gente diz que funciona. Adicionar urina a água já quente, por outro lado, carece de evidência.
O cloreto de etilo, que normalmente aparece como um spray analgésico, pode ter alguma utilidade, mas tem o efeito contrário de baixar drasticamente a temperatura. Isto anestesia a zona, mas não ajuda a desnaturar a toxina, pelo que a dor pode voltar mais tarde e mais espalhada pelo corpo. Não desaconselho totalmente, porque pode vir a ter a sua utilidade, mas a primeira escolha e a mais eficaz é mesmo a água quente. O éter também consta de alguns kits de nadadores-salvadores e costuma ter bons resultados.
Basicamente, se tem acesso a um nadador-salvador então deixe-se nas mãos dele porque normalmente sabem aquilo que têm e aquilo que costuma resultar melhor.
Terceiro passo: A dor mais intensa deverá passar em cerca de uma a duas horas, e depois podemo-nos então preocupar com o local. Limpe a ferida, e veja se o espigão ainda lá está. Não é comum isto acontecer, mas se o espigão se tiver partido e ainda se encontrar na ferida, o aconselhado é que seja alguém experiente a removê-lo para ter a certeza que ele não se parte de novo e não deixa particulazinhas para infetar. Depois de limpa, a ferida convém ser desinfetada (nem sempre é preciso, depende da água e da areia da zona), e depois deve ser deixada “ao ar”, que é como quem diz, nada de colocar os pensos da patrulha pata, nem pedir ao médico para fazer uns pontinhos, nem nada. Se entrar areia, depois tira-se com água ou soro fisiológico. Tapar uma picada de peixe-aranha tende a aumentar o risco de infeção…
O que nos traz ao último tema a abordar: Quando é que devo chamar o médico.
Parte positiva: se está com pessoal especializado, eles sabem isto tudo e não tem de se lembrar de nada. Segunda parte positiva: mesmo que não esteja, isto é bastante intuitivo.
O que é normal: dor, comichão, inchaço na zona da picada, sensação de calor, vermelhidão, dormência, formigueiro. Pode ainda ocorrer: náusea, vómito, dor na articulação, dor de cabeça, cãibras abdominais, aumento da vontade de urinar, e tremores.
O que não-é-tão-normal-assim-e-se-calhar-convinha-ir-ali-falar-com-o-sotor: arritmias, fraqueza generalizada, falta de ar, quebras de tensão, convulsões, gangrena, perda de consciência. Mantenha-se também atento a sinais de ferida infetada: febre, pus, aumento da dor e do inchaço.
E é isto senhor. Está a ver? Não foi assim tão mau pois não? E agora já pode tirar fotos e tudo para por no seu Instagram #PeixeAranha. A dor residual costuma permanecer uns dias, por vezes semanas, e há quem relate que meses depois ainda sentia dor. Mas quando um mês depois, no trabalho, lhe perguntarem porque é que está a coxear, é uma óptima ocasião para lhes mostrar o seu Instagram. Está a ver? Sempre a olhar pela positiva.
Obrigada João !