Não consigo lidar com a doença do meu marido
Hoje, de manhã, a Dona Celeste e o seu marido vieram à farmácia como é habitual comprar os seus medicamentos e medir a pressão arterial. Apercebi-me logo, que a senhora não estava nos seus dias pois estava com uma expressão tristonha.
Ao contrário da sua mulher, o Sr. João estava muito bem-disposto e cumprimentou todos com um sonoro bom dia.
Como a farmácia estava com alguma afluência cumprimentei-os e pedi para esperarem um pouco.
Estava a terminar de atender um senhor quando e oiço a dona Celeste a pedir ao marido para calar-se e sentar.
Quando chegou a sua vez pedi para entrar no gabinete para medir a pressão arterial.
Já sentada no gabinete, começa a conversar em tom de desabafo:
-Dra. Já não tenho paciência, nem forças para aturar o meu homem (pausa) Sabe o que fez ontem?
Respondi:
-Tem de ter calma Dona Celeste, a senhora sabe que não se pode enervar pois a sua pressão arterial sobe e começam as suas dores de cabeça.
-Tem razão Dra. Mas não estou a conseguir
-Agora que estamos só as duas, Conte-me o que se passou.
-Dra. Luísa Estava no quarto a dobrar meias quando oiço um estrondo. Corri para a cozinha e deparei-me com o micro-ondas queimado.
-Pôs as calças molhadas dentro do micro-ondas para secarem!
-“E onde estava o Sr. João?” Perguntei.
-“Dra. O meu marido estava na cozinha a olhar sem reação para o micro-ondas
-Se eu não estivesse em casa tinha havido um incêndio, ainda estou toda a tremer
-Mas a Dona Celeste perguntou-lhe o que se passou?
-Confrontei-o com a situação e disse-me aos berros que não foi ele mas a senhora da limpeza
Dra. Luísa são umas atrás das outras, estendo a roupa e quando viro costas tira a roupa do estendal e põe em cima da cama, nunca se preocupou com a lida da casa agora deu nisto. Tenho que andar atrás dele a controlar o que faz
E assim a Dona Celeste continuou a contar os episódios sem que eu tivesse coragem de a interromper, apenas me limitei a ouvir os seus desabafos, e no fim diz com os olhos cheios de lágrimas:
-Não sei até quando vou aguentar isto
Emociono-me, sinto-me solidária com a dona Celeste, dou-lhe um abraço forte, e murmuro:
-Estamos sempre aqui, pode contar com o nosso apoio.
E fez-se silêncio no gabinete.
Já mais serena, medi-lhe a pressão arterial e falei da existência de grupos que apoiam pessoas com demência e seus cuidadores.
Ajudam a prestar os cuidados que o marido precisa e a gerir o stress que a doença causa no dia-a-dia. Sugeri falar com os filhos pois é importante a união da família e reforcei a importância de cuidar de si própria.
Mais calma chamou o marido e saíram os dois de mãos dadas.
Catarina Dias says:
Que história tão bonita mas tão triste ao mesmo tempo. De facto a saúde mental é complicada. Mas acho que o amor é a base de tudo. Amor dos companheiros, amor dos filhos, da família.
Gostei muito do blog Luisa. Beijinhos
Luisa Leal says:
Olá Catarina,
Obrigada pelo comentário,
Beijinhos
Luísa
sara says:
Ola Dra Luísa. Eu sou psicóloga e reconheço que os cuidadores de pessoas com doenças mentais, demência, doença oncológica entre outros, estão sujeitos a níveis de stress, ansiedade e sintomatologia depressiva severos e é fundamental a intervenção psicológica. Sugiro que tenha contactos de associações e/ou psicólogos e que os disponibilize porque as pessoas mais idosas podem nao ter recursos para procura-los. Gosto muito do blogue. As maiores felicidades. Sara
Luisa Leal says:
Boa Tarde Sara, obrigada pelo seu comentário.
Estou totalmente de acordo,nós profissionais de saúde, devemos trabalhar em equipa sempre a pensar no doente.
Se tiver disponibilidade envie um email com informação que ache relevante e podemos escrever um post em parceria.
Sara says:
Dra Luisa, com certeza. Será um prazer. Até breve. Um abraço. Sara
Inês says:
É tão bom haver pessoas como as Dra Luisa, fez bem em ter ouvido a D. Celeste, certamente ficou com o coração mais leve!
P.S- Gosto muito do seu blog, venho aqui todos os dias…muito obrigada 🙂
Luisa Leal says:
Olá Inês, obrigada pelo seu comentário tão querido:)