Na cama com insónia …
Há tempos que ando para escrever alguma coisa sobre o sono. Apesar de ser um assunto com o qual eu não tenho problemas – salvo alguma inclinação para a narcolepsia em determinadas situações sociais como aulas, formações ou concertos de música clássica – parece-me que afecta quase toda a gente à minha volta.
É de tal maneira prevalente que me frustra dar sempre as mesmas respostas vagas e inconclusivas como “melhore a higiene do sono” ou “(…)é natural que com a idade precise de menos sono”. Que são claramente conselhos que pouco ajudam.
Então sentei-me e fui investigar que é que eu podia fazer por isto. Não foi uma investigação muito animadora. Apesar de existirem muitos estudos sobre o assunto, a maioria baseia-se em medicamentos sujeitos a receita médica (os sedativos e hipnóticos), e os que se baseiam nas outras abordagens não são muito consistentes nos seus métodos e nos seus resultados para que eu possa dar-vos uma solução bonita e empacotada numa caixinha de sonhos.
Apesar disto, os estudos são unânimes no que toca a um aspeto: a higiene do sono é importante.
– O que é a higiene do sono, e de que forma é que é importante? –
Bem, aí já começamos a ter opiniões diferentes.
– Ok, mas então é importante, vamos a isso: vamos tentar ser higiénicos no sono. Isso é o quê, tomar banho a dormir? Dormir a tomar banho? –
Não, Pessoa-Imaginária-Que-Tem-Demasiadas-Perguntas. A higiene do sono é um conjunto de “regras” que se devem seguir para ter um sono de início rápido, duradouro e ininterrupto, e principalmente restaurador. Em muitas situações estas regras são ainda misturadas com algumas técnicas de relaxamento e de indução do sono, que apesar de não serem consideradas “higiene do sono” pretendem ter o mesmo efeito, por isso não nos vamos demorar com esquisitices “etiquetadoras”.
Mas já agora P-I-Q-T-D-P, fica aí e vê lá se tens mais alguma coisa a acrescentar.
– Este texto todo está a dar-me sono…
Pois aqui está uma oportunidade perfeita para exemplificar uma das dicas de higiene do sono: Não forçar o sono. Tempo a mais passado na cama a tentar dormir é pior para o sono. Se não estás a conseguir adormecer, levanta-te, vai ler um livro ou uma daquelas short-stories que o teu sobrinho te está sempre a mandar e nunca tiveste paciência para ler; até sentires o João Pestana a trepar o nervo óptico, e aí sim voltas para a cama.
– Ah, e se for dar uma corridinha p’ra me cansar? –
Não. Má ideia. O exercício físico é muito bom para a higiene do sono, mas é de forma regular, e quando é feito da parte da tarde, ou ao início da noite: não em cima da Hora dos Patinhos.
– E quando é essa Hora dos Patinhos?
Varia. Dormir de noite é sempre melhor, porque o nosso corpo está programado para isso (até temos uma hormona que controla o sono e que é produzida mais ou menos conforme a luz que chega aos nossos olhos!). O que é conveniente é manter um horário que seja aproximadamente regular: se te deitares sempre pela meia-noite, o teu corpo habitua-se e começa a pedir soninho pela meia-noite (mesmo aos fins-de-semana seu party-animal!). Mas no que toca a horários, a regra número 1 é aquela que já te disse: se não tens sono, não forces. Ele há-de vir.
– Mais fácil dizer do que fazer…
Se fosse fácil ninguém tinha perguntas parvas sobre o sono.
– Nessas noites o que me faz mesmo bem é um bagaço. –
Eu vou fingir que não ouvi isto, e vou antes dizer isto alto para quem me possa ouvir: ÁLCOOL E CAFÉ NÃO SÃO BONS PARA O SONO! O café é óbvio, assim como os refrigerantes com cafeína tomados à noite ou ao jantar, mas o álcool é mais complicado: apesar de por vezes causar sono, o que os resultados mostram é que este sono é de fraca qualidade. E no dia seguinte acorda-se cansado e a precisar de uma sesta… que se prolonga até às duas da tarde, e depois outra pelas seis da tarde e por fim surpresa, chega a meia-noite e não tenho sono. Eu? Quero dizer tu. Tu é que não tens sono. E tu acabaste de quebrar a regra da Hora dos Patinhos, e já não tens uma hora de deitar e acordar decente para praticar durante a semana.
– Então e comida? –
Ir para a cama com fome ou sede não é boa ideia. Mas também não é boa ideia ir de barriga cheia. O intermédio aconselhado é um pequeno snack antes de deitar. Leitinho quentinho é o remédio clássico para as insónias. Mas atenção! Se tiveres propensão para azia (doença de Refluxo Gastroesofágico) ou de forma mais simples, um estômago que não gosta de digerir bem as coisas, o leite não é boa ideia. Come qualquer coisa menos gordurosa, como umas bolachas ou outra coisa que sabes que não te faz a sensação de estômago cheio, e azedo na boca. É por vezes uma questão de experimentares aquilo com que te dás bem.
– E já agora sobr-
Agora deixa-me dizer o resto de uma vez. Sestas durante o dia não são boa ideia para uma pessoa que sofre de insónias frequentes: a ideia aqui é mesmo guardar o sono todo para a hora em que ele deve ser usado.
Para além disso, convém que o quarto, e principalmente a cama, seja guardada para o sono apenas: nada de televisões, nem tablets, telemóveis ou outras coisas começadas por t na cama. Se for possível, relativamente a estes aparelhos eletrónicos, o melhor é mesmo evitá-los totalmente antes da hora de deitar.
Há quem ainda refira o conforto. Mas isto é óbvio: arranjar um colchão e almofadas que se adaptem, regular a temperatura para ser confortável (nem demasiado quente nem demasiado frio), e, dentro do possível, minimizar o ruído.
Pronto, agora amuaste, foi? Faz lá a tua pergunta.
– O meu problema são os pensamentos. Assim que paro e me deito na cama começo a pensar… –
Evitar actividades que incluam muito investimento emocional antes de deitar é geralmente um bom conselho, para evitar que esses pensamentos surjam nessa altura.
Uma das técnicas que encontrei na minha pesquisa e que achei interessante para contrariar esse artifício dos cérebros traiçoeiros, foi a ideia de fazer uma lista de assuntos por tratar no dia seguinte.
Mesmo antes de deitar, escrever a lista. Não consigo garantir que seja boa ideia, porque pode por vezes originar mais stress, mas para algumas pessoas poderá ajudar.
Para ajudar a esta questão, alguns exercícios mentais como meditação ou yoga, e aquelas coisas “modernas” da mindfullness e que por vezes soam mal a cépticos como eu, encontram aqui verdadeira utilidade como forma de reduzir o stress e assim contribuir para um sono mais higiénico.
Notas finais, para serem lidas com muita atenção:
– O que funciona para os outros não tem que funcionar bem para ti. Estas são dicas que podem ser praticadas com facilidade simplesmente alterando alguns hábitos. Nem todas serão adequadas, nem nenhuma é para seguir à risca de forma inflexível.
– A higiene do sono é muito útil para pessoas que não têm problemas em dormir, continuarem sem problemas para dormir. Para aqueles que têm problemas frequentes, o máximo que se consegue seguindo apenas estes conselhos é uma melhoria ocasional do sono, e a possibilidade de melhorar. Ou seja, a falta de higiene do sono não é uma causa única da insónia – simplesmente torna-a pior. Resolver essa falta então não trata completamente, simplesmente permite que haja melhorias.
– Na farmácia encontram-se algumas soluções para a dificuldade temporária em adormecer, nomeadamente em produtos à base de valeriana (que é uma espécie de ansiolítico natural), de melatonina (que regula o ritmo circadiano), ou até de alguns anti-histamínicos (cuja função habitual costuma ser de prevenir enjoos ou alergias, mas têm como efeito secundário causarem sono). Isto são soluções temporárias para problemas temporários.
– A insónia é simultaneamente doença e sintoma. Pode ser um fenómeno isolado, de origem idiopática (palavra fina para dizer que não se sabe a origem), ou pode ser um sintoma de uma condição maior, como a depressão, a ansiedade generalizada, ou outras doenças (a maioria,, mas não todas, do foro psiquiátrico). O problema é que para além de ser sintoma, ela tende a agravar consideravelmente as doenças que a manifestam (como é o exemplo da depressão, em que por estar deprimida, a pessoa não consegue dormir, e por falta de sono, a depressão piora, como uma pescadinha que, ironicamente, adormeceu de rabo na boca).
Procure ajuda diante de um profissional adequado.
Escrito por João Fotografia Pau Storch
Sara Guelha says:
Adorei este post!
já agora, se me permite: por vezes, temos os ciclos de sono trocados. Denomina-se por “síndrome do atraso das fases do sono” e é uma grande chatice 😉
Esta perturbação altera o ritmo da temperatura corporal, o ciclo habitual do sono e o ritmo hormonal.
Está relacionado com alterações do ritmo circadiano.
Por último, quem sofre de perturbações do sono (nomeadamente, insónias) pode consultar a Consulta do Sono. Poderá ser útil
Um beijinho, Luísa