A HORA DOS MEDICAMENTOS
A pergunta é simples: “porque é que alguns medicamentos têm horas em que devem ser tomados, e outros não?”
Para variar, a resposta não é tão fácil assim. Há dois conceitos bastante importantes a ter em conta quando se fala de medicamentos: são eles a farmacocinética e a farmacodinâmica. O primeiro trata do tempo que o medicamento passa no nosso corpo. O segundo, trata dos seus efeitos.
Começemos pela farmacodinâmica: existem vários medicamentos, com várias funções. Para além da sua função principal, também temos de ter em conta todos os efeitos secundários que também ocorrem. Isto significa que um medicamento para determinada situação pode ter um efeito que pode influenciar directamente a escolha do horário da sua toma. O exemplo mais clássico é o dos anti-histamínicos utilizados em situações de alergia que, devido ao efeito muito comum de sonolência, têm a toma aconselhada à noite, antes de dormir.
Outro exemplo é o de alguns anti-depressivos que, por outro lado, costumam tirar o sono e por isso a sua toma está aconselhada durante a manhã.
Porque é que é importante ter estes factores em conta? Porque nem todas as pessoas vivem da mesma maneira, nem tomam os mesmos medicamentos. Por exemplo, imagine-se um taxista com alergia que está a trabalhar durante a noite. É muito desaconselhado que tome o anti-histamínico à noite, antes de ir trabalhar. Ou uma pessoa deprimida que esteja a tomar um dos anti-depressivos que, por acaso, até tem um efeito de sonolência, ao contrário do habitual: também não seria indicado tomar de manhã.
Conclusão relativa à farmacodinâmica: devido aos efeitos particulares de cada medicamento, pode ser indicada a sua administração durante determinada altura do dia, para que interfira da melhor maneira com o dia-a-dia saudável da pessoa.
Passemos à farmacocinética: cada medicamento sofre 4 processos quando é tomado: absorção, distribuição, metabolização e eliminação. O que daqui resulta é que o medicamento entra na corrente sanguínea gradualmente e gradualmente também vai sendo eliminado do nosso organismo. As velocidades a que ocorrem os diferentes passos são determinadas pelas carateristícas do medicamento, pelo estado do organismo, e por vários outros factores.
Agora é preciso ter em conta aquilo que é a dose eficaz: ou seja, a quantidade de medicamento que é necessária estar em circulação para que surta o efeito desejado, minimizando os efeitos secundários indesejados.
Vamos imaginar a toma de um antibiótico para tratar uma infecção. A pessoa toma o antibiótico, a sua concentração no sangue aumenta, e imediatamente começa também a ser eliminado pelo organismo (nos rins e no fígado). Quando a absorção se torna mais lenta do que a eliminação, a concentração do medicamento no sangue começa a diminuir, como se estivéssemos a subir uma montanha para logo a seguir a descer. A dose eficaz é como se fosse o cume da montanha, a zona que está coberta de neve. Muito acima disso e estaríamos a ter muitos efeitos nefastos, muito abaixo disso e o antibiótico não mata as bactérias que tem de matar.
O horário da toma dos medicamentos é calculado com base neste tipo de raciocínio. Assim, para impedir que a concentração no sangue desça abaixo da dose eficaz, é administrada uma nova dose do medicamento na altura certa, o que faz a concentração subir de novo e manter-se dentro da dose eficaz, sem a ultrapassar. Só assim conseguiremos manter a doença sob controlo (e, neste caso, matar as bactérias responsáveis pela infecção).
É importante referir que este raciocínio é aplicado a TODOS os medicamentos, e os diferentes resultados de cada uma das avaliações farmacocinéticas e farmacodinâmicas constam da informação necessária para que eles sejam comercializados.
O resultado disso é que existem alguns medicamentos que se revelou não terem grande problema em ser administrados com horários pouco rigorosos, e outros cujos horários são essenciais para que tenham o seu efeito.
Gostaria de terminar com um pequeno aparte, que trata de uma das poucas situações (senão a única mesmo), em que o horário dos medicamentos pode ser considerado em segundo lugar apenas:
Existe uma situação curiosa que ocorre quando se fala da “adesão à terapêutica” ou seja, quão cumpridor é realmente o doente na toma dos seus medicamentos. Verifica-se que com certos medicamentos e certas pessoas (particularmente mais idosos), é por vezes mais benéfico alterar o horário ideal de determinado medicamento para um horário “sub-óptimo” para evitar que a pessoa acabe por não tomar o medicamento de todo (habitualmente por esquecimento).
Nestas situações (e em qualquer outra também!), é muito útil falar com o farmacêutico, o enfermeiro, ou o médico para em conjunto combinarem uma estratégia que permita minimizar o erro associado a esta pequena “transgressão”.
Texto escrito pelo João.